SP-Arte
Acervo Galeria (Stand E10) | São Paulo | 2025
Igor Rodrigues e seus rastros-sopros de vida
A natureza tem sido percebida por Igor Rodrigues como uma força que inspira diversas reflexões. Em sua primeira exposição individual em Salvador, capital de seu estado natal, realizada na Galeria Acervo em novembro passado, o artista apresentou uma série de trabalhos que tinham a água do mar, a sensação de bem-estar, e a liberdade/familiaridade como pilares centrais de sua proposta conceitual. Agora, na exposição Rastro, a natureza mais uma vez se manifesta na produção de Igor Rodrigues. Desta vez, porém, de forma a evidenciar, de maneira ainda mais nítida, a relação do corpo negro com o etéreo e a transição entre as dimensões do tempo. A esse respeito, Rodrigues afirma:
"Rastro. Escolhi essa palavra porque estava pensando muito sobre um pouco do meu passado, um pouco de onde estou agora e um pouco de onde quero chegar. Comecei a refletir nesse processo de metamorfose, de transformação. E, então, essa palavra surgiu na minha mente porque 'rastro' é algo que indica movimento, certo? Indica um caminho. Tanto o caminho por onde você já passou, quanto o lugar onde está e a direção para a qual está indo. Ela tem essa polissemia. Dependendo da perspectiva de onde se olha, é possível apreender uma percepção diferente do que significa o conceito.
Essa ideia do rastro — desse movimento, dessa transformação, desse olhar para o passado pensando no futuro — me remete à Sankofa. Refleti sobre essa questão de se transformar. A minha ideia com esse projeto é falar sobre a transformação e sobre como não é possível apagar completamente aquilo que fomos, pois isso faz parte da nossa construção enquanto sujeitos. Tudo remete a essa ideia de transformação, mudança, transitividade e permanência..."
Quando o artista olha para o ideograma adinkra Sankofa, este se revela também como um pássaro capaz de nos guiar entre distintas dimensões espaciais e temporais, permitindo-nos alcançar saúde, sabedoria e demais sustentáculos para, quem sabe, realizarmos uma possível contra-narrativa do bem-viver. Igor Rodrigues, em última instância, evoca a paz resultante do encontro com a transitoriedade das nuvens, matérias orgânicas, tempos, sentimentos e demais fatores que permeiam a vida.
Na exposição Rastro, o artista apresenta a série Brasa, que destaca a presença do fogo como expressão da transformação (combustão) e da finitude (carbonização), manifestadas na vitalidade rubra dos impulsos e movimentos. O artista afirma: “Vermelho me remete à vida. Me remete ao sangue, à vitalidade. Tudo aquilo que é visceral”. Ou seja, o vermelho se torna o motor dos movimentos presentes na existência de tudo, em todos os tempos. Essa vitalidade catalisadora representada pelo vermelho também se faz presente em outros trabalhos apresentados.
Do ponto de vista técnico, também na série Brasa encontramos um experimento muito bem-sucedido: a utilização, pela primeira vez, do carvão branco nos trabalhos do artista. É fato notório a destreza técnica com que Igor Rodrigues realiza suas obras, articulando-as numa dimensão ao mesmo tempo onírica e realista. Aliás, noto com especial atenção o simbolismo presente no domínio técnico do artista. Isso porque, como escrevi por ocasião de sua exposição individual: “Sua avó Lilita fazia bonecas de sabão. Igor Rodrigues, que desde criança gostava de Arte, teve a partir dela seu primeiro contato com materiais que se desdobram em algo antes impalpável. O fazer manual se revela como uma força capaz de transformar matéria "bruta" em fonte de encantamentos. A partir dessas experiências, moldam-se perspectivas sobre Arte, materiais, causas e efeitos”. O trabalho de Rodrigues tem suas bases em um fazer artístico manual que se debruça sobre o mundo que vê e responde a essa visão, estimulando-a entre o familiar e o futuro imaginário (desejo).
Do ponto de vista técnico, Igor Rodrigues começou com a pintura digital, passando pelo grafite, até chegar às materialidades que hoje contemplamos: tinta óleo, carvão, vidro, areia... Mesmo possuindo uma destreza técnica comparável às sofisticadas técnicas das Academias de Belas Artes ocidentais e um controle técnico preciso, a produção de Rodrigues carrega uma herança que não se pode negar: o artesanato praticado por sua avó. Se pensarmos, por exemplo, no artesanato medieval, ele é o resultado de um legado, um aprendizado do passado transmitido de geração em geração.
No centro imagético e conceitual da produção de Igor Rodrigues está o sujeito; e a transitoriedade se revela como fator-guia na construção da subjetividade. Não se trata de transformação como um desligamento do passado, mas de um movimento possível somente em razão das condições fornecidas por aquele passado. 'A gente se constrói a partir de algo que já existe', afirma o artista. O que está no passado, assim como no presente, só é possível graças às bases pré-estabelecidas. Talvez tais bases, reunidas, fundamentem a construção de um indivíduo e de uma comunidade alicerçados sobre noções promotoras do bem-estar. Isto é, saúde!
João Victor Guimarães
Crítico de Arte, curador e pesquisador
verão de 2024/5
















