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projeto solo | ArtRio

2023

O trabalho de Igor Rodrigues insurge como um mecanismo de reivindicação do lugar de protagonismo para pessoas negras. Formado em Psicologia, ele se interessa pela pintura como um lugar de reimaginação da própria história e da que foi contada sobre corpos negros, estabelecendo um paralelo entre sua própria vivência e aspectos comuns sobre problemáticas da vivência de outras pessoas negras. Ele utiliza da arte para problematizar os efeitos diretos do colonialismo, tencionando um debate sobre negritudes possíveis. Nesse sentido, ele encontrou na sua própria vivencia de sofrimento causado pelo racismo um caminho possível para se reestruturar através da arte.

Durante construção deste corpo de trabalho, o artista se voltou para a compreensão do cabelo como símbolo potencializador da identidade negra. O ímpeto surgiu a partir da percepção da importância do cabelo para a construção da subjetividade enquanto uma pessoa negra, após muitos anos convivendo com a sensação de inquietude e insatisfação com a própria imagem. A experiência em um salão destinado a pessoas de cabelos crespos e cacheado, onde foi possível entender melhor que a estética, a beleza e a política andam de mãos dadas, bem como o acolhimento e as novas noções de cuidado proporcionaram novas elaborações sobre o cabelo. Desse modo, ele deixou de ser visto com o estigma de vergonha e passa a ser símbolo de orgulho.

O cabelo de uma pessoa negra se instaura nesse processo como parte de um conjunto simbólico que se refere a sua identidade, sendo um construto social, político e cultural pensado historicamente como um “cabelo ruim”, ao passo que o cabelo de pessoas brancas é “bom” e desejável. No Brasil, a pele e o cabelo são critérios para apontar quem é branco e quem é negro. Por isso, repensar os significados que perpassam o cabelo significa potencializar um dado identitário e, consequentemente, aflorar o sentimento de empoderamento.

O artista divide seu trabalho em três atos: o cuidado, a identidade e a metáfora. No primeiro, ele apresenta o cabelo enquanto mecanismo de conexão e afeto entre pessoas negras; no segundo, ele apresenta a série Me olhe nos olhos, onde o cabelo é pensado enquanto aspecto da identidade através das suas formas e texturas; no terceiro, o cabelo assume novas formas e símbolos, remetendo a elementos da natureza.

No primeiro ato, o artista apresenta três pinturas que retratam o contato e a conexão entre pessoas negras através do cabelo. Na pintura Chamego, a maior pintura da mostra que compõe o ato sobre cuidado, o artista utiliza o bordado como suporte, além da pintura, para destacar a conexão entre os dois corpos. A palavra “chamego” é derivada do vocabulário do povo bantu, originário de várias regiões do Continente Africano, como o Sul da África e a África Central, onde fica a Angola. Seu significado diz respeito ao sentimento de atração ancestral entre pessoas negras que ultrapassa o desejo; é o bem-querer que preenche a existência e conecta as pessoas de corpo e alma; o caminho para se resgatar vínculos que rompam com lugares que remetam a violência, mas que possuam a força transformadora dos afetos em algo positivo, pois, como define bell hooks, o amor cura.

 

Na série Me Olhe nos Olhos, o artista constrói seus personagens utilizando fragmentos de espelhos em seus olhos. A proposta traz o debate acerca da formação da subjetividade, a qual perpassa pela dialética eu-outro, onde o “eu” se constrói através da inter-relação estabelecida com o outro, formando a imagem social e a autoimagem simultaneamente. Por outro lado, Igor aproxima o espectador diretamente das obras, possibilitando que eles se vejam através dos seus olhos formados de espelhos. Nessa série, Igor propôs a pensar o cabelo enquanto forma e identidade, através de formas e texturas, em vez da ação pictórica. Desse modo, o artista utiliza de massa acrílica para simular os formatos e tipos de cabelo, sejam eles crespos ou cacheados.

No último ato, o cabelo é reimaginado e expandido para novas leituras. Se na vida real, os cabelos de pessoas negras denotam versatilidade, podendo ser apresentados de diversas formas, aqui ele se metamorfoseia em elementos naturais, como o sol, nuvens e árvores, para evocar a beleza que, por muito tempo, foi invisibilizada. As pinturas demonstram a reconstrução do protagonismo e a afirmação da autoestima, onde os cabelos simbolizam poder, ancestralidade e liberdade. Na obra Sementes, o artista discute a construção de uma nova era pautada na ancestralidade, a partir da figura de uma mulher negra que traz em seus cabelos toda a história ancestral, que se expande pelo espaço, criando raízes e caule, até florescer.

Dessa forma, Igor Rodrigues apresenta uma discussão que surgiu a partir dos impactos que o cuidado com o cabelo representa na reabilitação do corpo negro frente à hostilidade do racismo. Se o cabelo de pessoas negras na sociedade brasileira se apresenta enquanto linguagem e, portanto, diz sobre as relações sociais, como define Nilma Lino Gomes, enxerga-lo através da ótica da beleza é um passo em uma longa jornada para a mudança da sociedade.

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